Neste 2º
dia da 3ª semana de afastamento social, ocupei o meu tempo sobretudo a sonhar.
Sim, a sonhar com as formas do novo desenho que vou pintar brevemente e que
será a continuação de uma história já existente aqui nos nossos aposentos…
Pedra Filosofal
Eles não sabem que o
sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa
qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e
descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros
altos
que em verde e oiro se
agitam,
como estas aves que
gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o
sonho
é vinho, é espuma, é
fermento,
bichinho álacre e
sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de
tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o
sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de
alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos,
Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa
Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de
dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem
sonham,
que o sonho comanda a
vida,
que sempre que um homem
sonho
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma
criança.
(António Gedeão)
🍀
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