Já tive a
minha fase feminista, pois claro, lá por volta dos 15 ou 16 anos, numa época em
que se vivia com fervor a política, os direitos e tudo o mais. A democracia era
uma coisa recente. Estávamos nos finais dos anos 70, início dos 80. Os jovens
da minha idade tinham participação activa nas campanhas políticas e tudo era
vivido com paixão. E era com paixão na voz que eu defendia os direitos das
mulheres e a igualdade entre estas e os homens. Foram tantos os serões em que
acabava sozinha com o meu pai em frente à tv, em conversas mais ou menos
filosóficas e que não raras vezes resvalavam para um terreno minado.
Começávamos tão bem, mas às tantas lá estávamos nós em acesa discussão, com um
de cada lado da trincheira. Cada um com o seu ponto de vista. Já nem sei se ele
era assim tão machista, ou se simplesmente gostava de ser do contra. Pelo menos
nas nossas conversas. Que ele não era o suprassumo da paciência isso é um
facto. Como naquela noite, já com todos na cama e mais uma vez nós a falar de
tanta coisa e de nada. Assuntos mundanos. Filosóficos. Pontos de vista. A tv a
passar qualquer coisa que já nem recordo… às vezes, quase sempre, eram filmes
que víamos e as notícias. Também não tínhamos muita escolha, só havia dois
canais. E nós, ou eu, às tantas estávamos a falar da (des)igualdade entre
homens e mulheres. Devo referir que a tv encerrava às 23h30, pelo que também
não passávamos a noite inteira no paleio. O encerrar da emissão marcava muitas
vezes o fim das nossas conversas, quando as tínhamos. Daquela vez devo ter
falado com demasiada paixão, só pode. Valeu-me uma tremenda bofetada, a única
que me lembro do meu pai alguma vez me ter dado. É que nem era sobre nós e nem
sobre ele. Eram só pontos de vista. E a nossa discussão acabou abruptamente,
com cada um de nós a ir dormir a chorar. Talvez mais a chorar que a dormir. E
eu com as lágrimas numa mistura de sabores a sal e sangue à conta do lábio
rebentado pelas costas da mão pesada.
Hoje estou
mais sensata e menos feminista, porque o que conta, não é quem tem mais
direitos, quem manda mais, quem é mais e sim, que sejamos todos iguais mas respeitando
as nossas diferenças. Que cada um seja o que quiser sem ter de pisar ninguém e
nem morrer por isso. Hoje sou pela liberdade da individualidade, seja mulher ou
seja homem.
Bem sei
que se hoje posso falar assim é porque lá atrás, alguém sofreu e lutou para que
as mulheres tivessem os mesmos direitos que os homens e o preço muitas vezes
foi alto. Pagou-se até com a própria vida. E há ainda, algures por este mundo
fora, muitas mulheres sem voz. Mulheres sombra.
A minha
publicação de hoje vai para essas mulheres, em especial aquelas que ao longo
dos tempos perderam a vida em busca de um pouco de dignidade e respeito. (mas sem
festa).
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