março 08, 2020

Em jeito de reflexão...






Já tive a minha fase feminista, pois claro, lá por volta dos 15 ou 16 anos, numa época em que se vivia com fervor a política, os direitos e tudo o mais. A democracia era uma coisa recente. Estávamos nos finais dos anos 70, início dos 80. Os jovens da minha idade tinham participação activa nas campanhas políticas e tudo era vivido com paixão. E era com paixão na voz que eu defendia os direitos das mulheres e a igualdade entre estas e os homens. Foram tantos os serões em que acabava sozinha com o meu pai em frente à tv, em conversas mais ou menos filosóficas e que não raras vezes resvalavam para um terreno minado. Começávamos tão bem, mas às tantas lá estávamos nós em acesa discussão, com um de cada lado da trincheira. Cada um com o seu ponto de vista. Já nem sei se ele era assim tão machista, ou se simplesmente gostava de ser do contra. Pelo menos nas nossas conversas. Que ele não era o suprassumo da paciência isso é um facto. Como naquela noite, já com todos na cama e mais uma vez nós a falar de tanta coisa e de nada. Assuntos mundanos. Filosóficos. Pontos de vista. A tv a passar qualquer coisa que já nem recordo… às vezes, quase sempre, eram filmes que víamos e as notícias. Também não tínhamos muita escolha, só havia dois canais. E nós, ou eu, às tantas estávamos a falar da (des)igualdade entre homens e mulheres. Devo referir que a tv encerrava às 23h30, pelo que também não passávamos a noite inteira no paleio. O encerrar da emissão marcava muitas vezes o fim das nossas conversas, quando as tínhamos. Daquela vez devo ter falado com demasiada paixão, só pode. Valeu-me uma tremenda bofetada, a única que me lembro do meu pai alguma vez me ter dado. É que nem era sobre nós e nem sobre ele. Eram só pontos de vista. E a nossa discussão acabou abruptamente, com cada um de nós a ir dormir a chorar. Talvez mais a chorar que a dormir. E eu com as lágrimas numa mistura de sabores a sal e sangue à conta do lábio rebentado pelas costas da mão pesada.

Hoje estou mais sensata e menos feminista, porque o que conta, não é quem tem mais direitos, quem manda mais, quem é mais e sim, que sejamos todos iguais mas respeitando as nossas diferenças. Que cada um seja o que quiser sem ter de pisar ninguém e nem morrer por isso. Hoje sou pela liberdade da individualidade, seja mulher ou seja homem.

Bem sei que se hoje posso falar assim é porque lá atrás, alguém sofreu e lutou para que as mulheres tivessem os mesmos direitos que os homens e o preço muitas vezes foi alto. Pagou-se até com a própria vida. E há ainda, algures por este mundo fora, muitas mulheres sem voz. Mulheres sombra.

A minha publicação de hoje vai para essas mulheres, em especial aquelas que ao longo dos tempos perderam a vida em busca de um pouco de dignidade e respeito. (mas sem festa).


                                                                             Imagem: Pinterest

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