O texto de hoje, dedico-o a
uma grande mulher que se cruzou com a minha família no começo de 1970. Se
existem anjos, ela é, ou foi, um deles com certeza. Pelo menos aos meus olhos, foi
um anjo e acredito que se o céu existe mesmo, ela está no cantinho mais bonito
de todos!
Hoje de manhã, ao
arranjar-me para mais uma sessão de fisioterapia, o meu pensamento desviou-se
para Saturno, aquele planeta bem chatinho e de que ninguém gosta. No meu mapa
astral e da minha irmã, ele está precisamente em cima dos nossos ascendentes.
Foi através do seu posicionamento, bem como o do Sol que lhe faz companhia, que
há uns anos, numa aula de astrologia o professor fez a rectificação do mapa da
minha irmã, a título de exemplo. Ficamos dessa forma a saber que nasceu não nos
minutos que julgávamos, nem naqueles que estão escritos na certidão de
nascimento, mas sim algures lá no meio. Por vezes, existe a dúvida quanto ao
signo ascendente, quando não há a certeza da hora e neste caso concreto,
balançava entre Carneiro e Touro. Podemos então concluir que é mesmo Carneiro.
O planeta Saturno e o luminar Sol, ambos juntinhos em signo de Fogo, foram a
chave para resolver o mistério. Aqui, representam uma fase menos boa na vida
dela e que só não deixaram marcas graças ao tal anjo em forma de mulher que
referi lá no início.
Era inverno ainda, ou pelo
menos fazia frio e naquele tempo as casas de aldeia todas tinham uma lareira
gigante num canto da cozinha, que se mantinha acesa para aquecimento e
cozinhar. Algumas por sorte também albergavam enfiadas numa vara, ao fumeiro,
umas quantas chouriças e morcelas. Junto ao braseiro, existia a habitual púcara
de barro com água. Era uma forma de ter água quente o dia todo quando ainda não
havia saneamento básico, água canalizada e muito menos ainda, um esquentador.
A minha irmã, á época ainda
bebé, ficou queimada com a água da púcara. Foi uma aflição para nós, eu e a
minha mãe. E foi nesse contexto que surge a menina Eva. Depois de alguns dias
de idas ao hospital para mudar as ligaduras que lhe cobriam o braço e a perna,
queimados em quase toda a sua extensão, causando-lhe sempre grande sofrimento,
entrou-nos pela porta dentro uma desenvolta senhora, de chapéu na cabeça e
vestido às florzinhas azuis. Suponho que teria uns 50 ou 60 anos. Se os meus
longínquos quatro anitos não me atraiçoam, é essa a imagem que guardo dela.
Perguntou se podia ver a minha irmã e foi entrando.
Eu, uma figura pequena e
curiosa, fiquei de pé lá ao lado do berço, que nem guarda de plantão. Eu era a
irmã mais velha, e aos irmãos mais velho cabe-lhes esse papel.
Primeiro, com todo o
cuidado tirou-lhe as ligaduras. Depois, com uma pequena tesoura, raspou todos
os pedaços de pele que ainda restavam e que as ligaduras não deixavam sarar. De
seguida pincelou-a com um líquido vermelho. Hoje, penso que seria mercúrio, mas
é apenas uma suposição, porque certeza, só tenho a de que foi a melhor coisa
que poderia ter sido feita. Graças a isso e a ela, hoje não tem nem uma
cicatriz. Voltou lá a casa enquanto foi preciso e até a bebé ficar boa,
deixando-a restabelecer-se sem ligaduras e nem roupas coladas às feridas.
Quem era esta menina Eva?
(era assim que a chamavam por nunca ter casado)
Só sei que era uma pessoa muito
altruísta, que, onde houvesse alguém doente ela acorria para cuidar ou levar
uma sopa. Terá sido enfermeira, ou simples curandeira? Quem sabe, as duas…
Por ironia do destino, anos mais
tarde, já a minha família se tinha ido embora para outra terra, ouvi que ela,
ao fritar uns sonhos para levar a casa de alguém, se queimou bastante com o
óleo a ferver…
Guardo para mim a
dúvida…Terá ela tido quem cuidasse dela?
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